Os Xavante somam hoje cerca de 9.602 pessoas, habitando mais de 70 aldeias nas oito áreas que constituem seu território atual, na região compreendida pela Serra do Roncador e pelos vales dos rios das Mortes, Culuene, Couto de Magalhães, Botovi e Garças, no leste matogrossense. A TI Marãiwatsede, embora homologada recentemente, não abrigava, até dezembro de 2000, nenhum Xavante.
A experiência xavante de convívio com outros povos indígenas e, principalmente, com não-índios, vem sendo documentada desde o final do século XVIII. O que mais chama a atenção nesta sua história - e que dá a ela sua singularidade - são três pontos essenciais:
Em primeiro lugar, trata-se de um povo forçado a migrações constantes, sempre em busca de novos territórios onde pudessem refugiar-se e, neste percurso, em choque ou alianças circunstanciais com outros povos com quem se encontraram no trajeto que os trouxe até sua localização atual.
Em segundo lugar, trata-se de um povo que, tendo aceito e experimentado o convívio cotidiano com os não-índios no século XIX (quando viveram, ao lado de outros povos da região, em aldeiamentos oficiais mantidos pelo governo da província de Goiás e controlados pelo Exército e pela Igreja), rejeitou o contato e optou por distanciar-se dos regionais migrando em algum momento entre 1830 e 1860, em direção ao atual estado de Mato Grosso, onde viveram sem serem intensivamente assediados até a década de 30 deste século. A partir desta época, fecha-se o cerco e aumenta o interesse de particulares e do governo federal sobre suas terras. Expressando a idelogia getulista do Programa de Integração Nacional em 1946, um primeiro grupo local Xavante é alcançado pelo SPI que os rende, às margens do rio das Mortes; até 1957 os demais também foram forçados a aceitar o contato, exauridos por epidemias, perseguições e massacres.
Em terceiro lugar, os Xavante ocuparam, ao longo de sua história recente, um lugar de destaque junto à opinião pública na década de 50 como ferozes e belicosos, ao resistirem ao contato que lhes era imposto; na passagem da década de 70 para a de 80, representados por líderes como Celestino e Mario Juruna (o ex-deputado federal), cristalizaram a imagem de índios conhecedores de seus direitos e dispostos a reivindicá-los às autoridades responsáveis pela garantia da sobrevivência dos povos indígenas no país.
Na literatura antropológica, os Xavante são conhecidos principalmente por sua organização social de tipo dualista, ou seja, trata-se de uma sociedade em que a vida e o pensamento de seus membros estão constantemente permeados por um princípio diádico, que organiza sua percepção do mundo, da natureza, da sociedade e do próprio cosmos como estando permanentemente divididos em metades opostas e complementares.
Trata-se, na verdade, da chave da elaboração cultural dos Xavante, construída e reconstruída através dos tempos e das variadas experiências históricas, mas sempre mantida como fundamento de sua maneira original de ser, pensar e viver.
Colar Cerimonial Masculino, dos índios Xavante
Texto publicado no catálogo O Índio Imaginado
Mostra de Filmes e Vídeos sobre Povos Indígenas
no Brasil, CEDI / SMC-SP, 1992, 63 pags.
Wai'á é um ritual coletivo dos homens Xavantes, que ocorre de quinze em quinze anos. É nele que cada homem desenvolve sua vocação espiritual. Após a cerimônia, os adultos tornam-se curadores, cantadores, intérpretes de sonhos, etc... conforme a determinação dos espíritos.
O Wai'á consiste em uma série de ritos onde os homens Xavantes aprendem a se comunicar com os espíritos, através de cantos e danças.
A preparação para o ritual é bastante penosa. Durante um mês, por todos os dias, os meninos com idades entre 5 e 20 anos - aqueles que participam do Wai'á pela primeira vez - permanecem todo o tempo no pátio central da aldeia, sob o sol. Neste período eles também dormem ao relento e não podem tomar banho. Além disso, esses jovens que se iniciam no ritual do Wai'á só podem comer e beber água após o pôr do sol.
Ficar um dia inteiro exposto ao calor escaldante do Mato Grosso, sem beber água, é uma tarefa árdua. As mulheres Xavantes tentam levar cabaças cheias d'água para os jovens iniciandos, porém, os homens mais velhos - que já participaram do Wai'á anteriormente - ficam vigiando os "noviços" no pátio. Eles arrancam as cabaças com água das mulheres e derramam o líquido no chão, bem na frente dos jovens Xavantes.
Neste período, os homens mais velhos que já passaram pelo ritual, realizam uma dança chamada Datsiparabu. Dois índios apresentam uma coreografia enérgica, levantando e baixando os pés como se estivessem pisando nos pés de um inimigo. Eles dançam bem próximos a cada um dos iniciandos, representando um ataque simulado. Os jovens permanecem imóveis e de cabeça baixa, mesmo quando algum dançarino pisa - sem querer (?) - nos pés dos iniciandos. A dança do Datsiparabu é repetida várias vezes ao dia, durante toda a preparação do Wai'á.
Ao fim de um mês, os jovens iniciandos tomam banho e recebem uma pintura corporal específica. Os Xavantes estão prontos para encontrar os espíritos.
Passado o período de preparação, os jovens Xavantes são levados por homens mais velhos - seus padrinhos - a um local afastado da aldeia. Lá os jovens encontrarão os Dañimite, espíritos benéficos.
Alguns adultos Xavantes, com vestes representando os espíritos Dañimite, esperam os iniciandos. Neste local, cada jovem receberá flechas cerimoniais que são as "armas dos espíritos bons". Quando voltam à aldeia, os mais velhos reunem todas as flechas em um único feixe e exibem-no em todas as casas. É um momento de alegria. As mulheres acreditam que essas flechas são feitas diretamente pelos índios Xavantes que nascerão no futuro.
Em outra ocasião do Wai'á, acontece um encontro diferente: os jovens Xavantes preparam-se para encarar Tsimihöpãri, o espírito que representa o mal absoluto.
Para compreender melhor todo o ritual do Wai'á, é preciso entender que os Xavantes temem o encontro com Tsimihöpãri, um espírito feroz e perigoso. Ao mesmo tempo, os índios desejam esse encontro, pois sabem que sairão dele com mais força.
Os Xavantes vão a um local afastado da aldeia e lá acontece uma batalha ritual contra Tsimihöpãri. O espírito é enterrado e os índios voltam com uma borduna de três pontas, símbolo desse sobrenatural.
O antropólogo David Maybury-Lewis estudou por anos os costumes dos Xavantes. Ele confessa em seus textos, que não alcançou uma compreensão de todos os significados presentes no ritual do Wai'á. O mesmo disseram outros não-índios que testemunharam esse ritual.
David Maybury-Lewis levantou a hipótese que o Wai'á é uma transferência de poder dos espíritos para os índios: o poder criativo e destruidor, que seria a essência da masculinidade para os Xavantes. Provavelmente é uma visão parcial do rito. Para a completa compreensão do Wai'á é necessário ser Xavante.
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