O grupo indígena Pankararu ou Pankaru está localizado na zona do Sertão do São Francisco, distante 412 km, da capital do Estado. A população atual do grupo indígena Pankararu é de 4.146 índios, distribuídos em núcleos familiares, ocupando uma área de 14.294 ha. Esta população é essencialmente rural, com dedicação quase exclusiva ao trabalho agrícola. A terra não é dividida eqüitativamente, e não se conhece a forma de ocupação inicial da área - se ocorreu segundo costumes tribais ainda existentes em outras partes do Brasil, ou se espontaneamente, de acordo com as necessidades de cada grupo familiar. Sabe-se, entretanto, que mesmo a partir da interferência do antigo Serviço de Proteção ao Índio - SPI, hoje FUNAI, nenhuma repartição formal da terra foi realizada, ao contrário do que ocorreu com os Fulni-ô. Naturalmente, as áreas mais férteis foram ocupadas inicialmente, razão pela qual o Brejo dos Padres, um pequeno vale onde se encontram inúmeras fontes d’água e a partir do qual se espalhou a população, permaneceu como centro da reserva. Levando-se em conta a população atual e a sua necessidade de terra agriculturável, o Brejo dos Padres é uma localização muito pequena, onde, além de roçados, destaca-se, principalmente, grande quantidade de fruteiras e a maior concentração de população da reserva. O ajuntamento considerável e desordenado de moradias sugere, nesta comunidade rural, o início de um processo de urbanização onde aparecem, como pontos de referência, a igreja do santo padroeiro, o cemitério e o Posto da FUNAI. O cemitério tem particular importância para a comunidade pois no seu centro foi erigido o marco principal que indica os limites da reserva. Ao lado da igreja existe algumas habitações que delimitam o pátio onde se desenvolvem os festejos populares de cunho religioso. Ainda no Brejo, próximo às fontes d’água, está situado o maior dos ajuntamentos de moradias, sintomaticamente chamado de "rua" ou "ruinha". O nome, entretanto, não tem qualquer significado quanto a distribuição espacial das edificações, pois foram construídas isoladamente e sem uma orientação definida, alinhadas com os diversos caminhos que levam às fontes. Os cercados são raros, com a circulação entre quintais e terreiros definida pelo movimento familiar em redor das casas. Do outro lado das serras que formam o vale, onde se localiza o Brejo dos Padres, está situada a Tapera, segunda localidade mais importante do ponto de vista de ocupação espacial. Na Tapera existem fontes d’água, uma fruticultura bastante desenvolvida e sua paisagem é marcada pela vegetação exuberante própria dos pés-de-serra; a área de terra agricultavel é bem maior do que a do Brejo. Serrinha, Marreca, Caldeirão, Bem-Querer e Cacheado são outras localidades mais importantes e onde a agricultura é mais desenvolvida. A primeira, Serrinha, é a menos favorecida devido a inexistência de mananciais, enquanto as outras se destacam exatamente pela qualidade da terra, plana e fértil. Atualmente, Caldeirão, Bem-Querer e Cacheado são focos de conflitos com posseiros não índios, pela posse da terra. - SITUAÇÃO DA TERRA: Os Pankararu vivem numa reserva indígena de 14.294 ha de terras demarcadas. No entanto, entre todas as comunidades, é a mais envolvida em conflitos pela posse da terra, embora a sua presença na região desde séculos atrás, seja incontestável. A referência histórica mais antiga e precisa sobre este grupo data do surgimento da antiga vila de Tacaratu no século XVII. Sabe-se que a atual sede do município foi primeiro uma maloca ou ajuntamento de índios Pankararu, denominada Cana Brava. Por velhos documentos, vê-se que em 1752 existia ali uma pequena capela consagrada a Nossa Senhora da Saúde, provavelmente erigida pelos padres que serviam na missão de catequese dos índios, dando origem à atual cidade de Tacaratu. Ao que tudo indica por iniciativa desses missionários, os índios foram posteriormente aldeados no lugar chamado Brejo dos Padres, pois ali foi organizada uma missão dirigida por padres da congregação de São Felipe Nery. Acha-se envolvida em lendas ou suposições a época da fundação do aldeamento, havendo, porém, indícios de que seja de 1802. Em 1855, a população da aldeia era de 580 índios, reduzidos em 1861, a apenas 270. Nesta mesma época foi registrada a presença de posseiros brancos nas terras doadas aos índios por carta Régia de data ainda imprecisa. A extensão das terras na época é também desconhecida, supondo-se duas léguas em quadro que nunca chegaram a ser demarcadas. Somente em 1942, segundo o cacique, foi feita uma demarcação por iniciativa do SPI, e recentemente foi feita a demarcação total da área , porém os posseiros permanecem nas terras, aguardando indenizações do governo federal. Esta presença de posseiros tem trazido muitos conflitos com os índios. A presença de brancos na área não é fato recente. Algumas das famílias estão instaladas no local há gerações, tendo convivido pacificamente durante décadas com os Pankararu e desfrutado com eles a terra sabidamente de domínio indígena. Em 1979, o aumento da população branca fez com que as relações entre posseiros e índios se deteriorassem de maneira drástica. Atualmente, segundo os índios, a hostilidade é marcada por atos de violência dos civilizados nos quais estão envolvidos não só antigos posseiros como novas famílias que, tendo perdido suas terras por força da construção da hidroelétrica de Itaparica, instalaram-se na reserva. - SITUAÇÃO SÓCIO-ECONÔMICA A base da economia Pankararu é a agricultura e a comercialização do que é produzido, sendo complementada por alguma atividade artesanal ou de transformação. Toda a produção é fruto do trabalho do núcleo familiar, inclusive de crianças, e ao contrário de outros grupos, não se ouviram notícias de "índios sem terra". No entanto, há casos raros de índios que, por conta da idade avançada ou pela ausência de filhos, não tem roça. Foram encontrados alguns velhos em estado de quase indigência, sobrevivendo de algum trabalho artesanal, como cestos feitos de cipó, ou de favores de outras famílias. No grupo indígena Pankararu, o feijão, o milho, o andu, a mandioca e o algodão são lavouras principais, além de uma variedade de frutas como caju, pinha, banana, goiaba e coco. Estas aparecem mais concentradas nos pés de serra, enquanto os roçados estão espalhados por toda a área que, embora relativamente pequena, apresenta paisagens distintas por conta da topografia. Planta-se nas vargens, em áreas planas e menos freqüentemente, nas encostas das serras, com uma produção mais condicionada ao regime de chuvas no Sertão do que pela qualidade de terra. As vargens são apenas faixas estreitas de terra de pequena expressão se consideradas as necessidades de toda a população. Elas são drenadas por vários olhos-d’água que, embora perenes, diminuem consideravelmente de vazão durante o verão. São nestas áreas de brejo que se concentra uma grande quantidade de fruteiras e também roçados de lavoura e uma variedade de plantações que inclui a cana-de-açúcar. Os produtos agrícolas, obtidos a partir de uma tecnologia rudimentar, indicam que a introdução de técnicas agrícolas mais sofisticadas aumentaria a produção. Os Pankararu dispõem de várias fontes d’água, um bem particularmente inestimável no Sertão. No entanto, as fontes existentes na reserva - no Brejo dos Padres e na Tapera - correm livremente sem qualquer forma de represento ou de uso mais racional. O trabalho da terra é atividade predominantemente masculina e ocupação principal do chefe da família, havendo, entretanto, participação da mulher e filhos nas épocas de plantio e colheita. O artesanato Pankararu emprega, quase que exclusivamente, mão de obra feminina na feitura de abanos, cestos, bolsas (cipó) , vassouras, mantas e potes de barro. O trabalho das mulheres envolve a coleta, o tratamento e uso de cipós, de palha do ouricuri e da fibra do caroá, materiais básicos usados no artesanato. A situação econômica dos Pankararu tem reflexos significativos na renda familiar com desníveis as vezes marcantes. Estes desníveis são bem evidentes a partir principalmente das moradias. Todas seguem o padrão da habitação nordestina popular . Em geral as casas não dispõem de banheiros ou sanitários. Para o asseio corporal, a população serve-se das fontes ou dos raros reservados de palha no quintal. Apesar das precárias condições de higiene, não foram notados problemas de saúde na comunidade, além de verminoses e doenças que são tratadas a base de ervas medicinais ou pelo serviço de enfermagem do Posto da FUNAI. Em relação a educação escolar, a área é dotada de escolas de alvenaria com professores índios contratados pela FUNAI e pelas Prefeituras, atendendo as crianças de 1ª a 4ª série. Após concluírem o 1º grau menor os estudantes se deslocam para as sedes dos municípios para dar continuidade aos estudos. - MANIFESTAÇÕES CULTURAIS: Próprio nome pelo qual o grupo indígena Pankararu é identificada - o Brejo dos Padres - evidencia o papel desempenhado por missionários católicos, responsáveis pela fixação definitiva da tribo no local onde vive. Em conseqüência deste trabalho missionário, os Pankararu cultuam a religião católica e observam o calendário de festejos populares de cunho religioso, no mesmo estilo das populações sertanejas. Paralelamente e com igual fervor, eles mantêm rituais, danças e folguedos da cultura indígena. O catolicismo é mais evidente, e seus sinais, além de uma igreja, estão na decoração das casas, onde estampas de santos são freqüentes. A expressão maior de sentimento religioso católico da comunidade é a festa em louvor a Santo Antônio, ocasião em que se comprova o título de "grandes festeiros" dado na região aos Pankararu. Uma comissão é encarregada do preparo do entorno da igreja. Os participantes são indígenas, mas todos os detalhes da festa são aqueles da cultura nordestina, sendo alguns notáveis, como uma banda de pífanos formada por elementos da Aldeia. Este mesmo entusiasmo, pelo que foi visto e pelas declarações obtidas, é dedicado aos festejos de caráter completamente diverso daquele da Igreja Católica: são as crenças, os rituais e as danças indígenas. Em relação a estas manifestações eles guardam uma certa reserva. Foi no entanto, possível identificar uma série de rituais, sendo o toré o realizado com maior freqüência. O Toré é dançado ao ar livre por homens, mulheres e crianças, em qualquer época do ano, dependendo apenas da disposição da comunidade. Para os Pankararu, o Toré é uma expressão de contentamento, um folguedo a que se entregam freqüentemente "se a vida não estiver muito difícil pela falta de chuva". Dança-se, de preferência, nos fins de semana "sem hora para terminar, varando noite e dia" em certas ocasiões. O local da dança é um terreiro onde os participantes, aos pares, formam um grupo compacto em formação circular que gira em torno do centro. Cada par, ao acompanhar o movimento do grupo, gira também em torno de si próprio e o terreiro é pisado furiosamente por todos marcando o ritmo da dança. Além do baque surdo dos pés, o ritmo é marcado por maracás (elaborados com pequenas cabaças) e pelas vozes em coro dos dançarinos. Os versos, de difícil compreensão, são "puxados" pelo guia do grupo e cantados em português mesclado com expressões do dialeto da tribo. Existe um ritual Pankararu chamado "Praiá" que celebra a iniciação dos meninos, em torno dos doze anos, nos segredos da seita, sendo os praiás os componentes desta sociedade secreta e protetores espirituais do grupo. A cerimônia tem lugar num rancho previamente armado para este fim, onde a criança, pintado de branco e vestida de palha de ouricuri, é disputada por dois grupos, um formado por protetores mágicos e o outro pelos padrinhos. Trava-se uma luta que termina com a vitória dos sacerdotes e a destruição do rancho. No final, entre danças e cantos, a criança é conduzida a presença do sexo feminino. Da descrição feita por uma índia no Brejo dos Padres, deduz-se que a cerimônia, hoje, está muito modificada ou, a exemplo do cacique da tribo, a declarante não quis expor os segredos dos "trabalhos que a gente faz só prá nós mesmos". Segundo o seu relato, a festa é chamada "menino do rancho" e é dedicada a Mãe D’água que ameaça roubar a criança. Temendo perder a criança, a mãe promove a festa para apaziguar a Mãe D’água. Os Praiás, que são em número de vinte e dois, são os padrinhos secretos da criança e escondem a sua identidade com longas vestes, cobrindo totalmente os seus corpos. O ritual culmina com a destruição do rancho, enquanto os participantes dançam o toré. No final, um banquete é servido a todos pela mãe da criança. A "Festa do Umbu" tem acentuado espírito desportivo; nela os índios demonstram sua força e destreza. A cerimônia é realizada no começo do ano, quanto aparecem os primeiros frutos do umbuzeiros. O primeiro fruto encontrado é trazido "ao dono do terreiro poente" e preso a um fio entre duas forquilhas. Os índios, pintados de branco, usando vestes de palha de ouricuri ou caroá, armados de arco e flecha, tentam um a um, flechar o umbu. Aquele que consegue, recebe como prêmio um resistente cipó. Começa então a prova do puxamento do cipó, na qual um grupo ao lado do nascente procura arrastar outro colocado ao lado do poente. O fruto do umbuzeiro é motivo para outro curioso ritual. No primeiro sábado do mês de março, moças do grupo indígena trazem do mato cestos cheios de umbu e os oferecem aos rapazes com os quais irão formar pares para os festejos. Os rapazes com o corpo pintado de branco tentam, durante a dança, livrar-se dos golpes com galhos de cansanção que lhes são enviados. É uma prova de agilidade, dolorosa para os perdedores. Outras danças, no entanto, nada têm de violência. Na "Dança dos Bichos", por exemplo, os ganhadores são os que melhor conseguem representar os movimentos de animais como o porco, o cachorro, a formiga e o sapo. São nas danças e rituais que parecem ter resistido os traços mais fortes da cultura dos índios Pankararu. Do dialeto do grupo, existem vestígios nos cânticos que acompanham as danças e notícias de raros índios mais idosos capazes de falar em sua língua ancestral. |
0 comentários:
Postar um comentário